quarta-feira, junho 13, 2007

Especial K
Ando há dias a tentar pensar num pretexto para pôr aqui este poema.
Encontrei:
é que ando há dias a tentar arranjar um pretexto para pôr aqui este poema.

Ricardo Reis 12-6-1914

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as No colo, e que o seu perfume suavize o momento — Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

Ricardo Reis


Se este meu blog fosse tão livre como era no princípio, provavelmente contaria aqui uma história que agora só posso reservar para diários íntimos e emails pessoais.
Uma vez tive uma namorada depois de ter tido com uma outra namorada uma relação longa e turbulenta. Comecei a relação com esta segunda namorada como quem não quer a coisa. Eu não queria conscientemente a coisa, e depois não consegui senão querê-la. Enfim, pouco importa. Provavelmente para dar uma solução mental a estes impulsos contraditórios, ao fim de uma semana ofereci-lhe este poema. Suponho que não o percebeu, ou não quis percebê-lo, ou por tê-lo percebido sem ter querido percebê-lo é a única das minhas ex-namoradas que até hoje prefere fingir que eu não existo.

2 comentários:

Anónimo disse...

Trigo Limpo Farinha Amparo.
No fundo é isso!

Anónimo disse...

Não comento, digo-te pessoalmente!

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