terça-feira, junho 12, 2007


O Jogo do Chinquilho
Renasce neste largo a minha infância

a minha vida tem aqui nova nascente

e jorra de repente com o ímpeto do início

O tempo não passou ou só a consciência

que provisoriamente sinto de voltar alguns anos atrás

a sensação que sei de reflectir sobre esse tem

pode ser um espectador de sucessivos sucedidos dias

de não viver apenas não viver sem sequer saber que vivo

num espaço demarcado onde as coisas e os homens

eram tanto que eram simplesmente

só essa consciência e sensação me fazem suspeitar

de que passou o tempo que nunca passou

O adro o fim da tarde o jogo do chinquilho

o ruído das malhas os paulitoso sol poente sobre si redondo como simples

malha atirada por alguém pelo espaço do dia

e prestes a cair no mar como nas tábuas

o gesto perdulário e impensado de jogar

a malha como quem num gesto joga a vida

as silhuetas hirtas dos que assistem

de boné ou barrete na cabeça e mãos nos bolsos

tudo se passa aqui ali há trinta e cinco anos

como se aqui ninguém houvesse envelhecido

nem sofrido ou morrido ou suportado

toda a imensa fome requerida para produzir um rico

como se aqui ninguém tivesse demandado

longe de aqui o seu país noutros países

Tudo é o mesmo adro a mesma tarde o mesmo jogo

Até este café onde sentado olho e penso por olhar

é afinal o mesmo onde bebi a meias com meu paia primeira cerveja uma cerveja vinda

através do calor do dia de verão

nesse cesto de vime nesse poço mergulhado

É o mesmo o sabor que sempre sinto nesta boca

há muitos anos já mordendo o vinho o pão a vida

o sabor das mulheres das raparigas

inacessíveis sempre como um absoluto

sempre impossível tido no entanto por possível

o sabor da derrota ou o sabor da terra

sensível dia a dia nos meus dedos

e um dia susceptível de me encher a boca para sempre

Envelheci eu sei e só ganhei

o que perdi.

Sou de uma adulta idade

E entretanto tudo a noite rodeou e o jogo acabou

e pelo céu do tempo houve um homem que passou

ou uma certa malha arremessada por acaso à vida

e viva na precária trajectória antes de caída.


Ruy Bello

2 comentários:

Anónimo disse...

Há poemas que marcam.
Este do Ruy Bello marcou uma das melhores fazes de sempre da minha vida.

Anónimo disse...

Muito bom.

Surreal

Mesmo á Ruy Bello

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